Os jornais publicaram no dia 22/12/2011 (dia do trágico incêndio da favela do Moinho) os dados do censo de 2010, sobre as favelas no Brasil. O censo denomina as pessoas que lá vivem como “moradores de aglomerados subnormais”.
A tabela abaixo (imagem do Jornal O Estado de S.Paulo) revela o quadro dramático da situação habitacional no Brasil. Em São Paulo está o maior contingente populacional desses aglomerados. O número de favelados da cidade de São Paulo é equivalente a uma cidade como Belém do Pará, que tem cerca de 2 milhões de habitantes. Esses dados revelam uma situação cruel e dura para os habitantes desses aglomerados. Entretanto, ainda não revela o seu todo, como a população residente em cortiços, pensões, de favor, ou em bairros inteiros cujas condições são semelhantes às de favela, mas não são considerados como tal. São bairros sem esgoto, ruas estreitas, sem acessibilidade, baixa estrutura urbana, habitações construídas em toda a área do terreno, sem sol, sem ventilação. Em muitos casos, não há sinal para celular e a internet não chega. Não vou citar os bairros, mas é fácil verificar. Basta andar pelas periferias das diversas regiões da cidade. Afirmamos, sem receio de errar, que metade da população de São Paulo mora em situação precaríssima.

A surpresa verificada nesses últimos dados é o crescimento da população favelada — apesar de ter melhorado o nível de emprego e renda dos trabalhadores sob o governo Lula e agora Dilma. São indicadores fortes, mas insuficientes para reverter a tendência que está expressa pelo valor dos salários, insuficiente para assegurar a reprodução da força de trabalho. Ou seja, a renda das famílias não cobre as necessidades básicas de sua sobrevivência, levando-os a deteriorarem suas condições de vida em geral e especialmente as condições habitacionais.
Esse fenômeno de colocar imensas camadas sociais na chamada baixa renda, vem de longa data. Mas se agravou a partir de 1964. Os militares no governo implantaram duas medidas: desemprego e corrosão do poder de compra dos rendimentos dos trabalhadores. Vejamos alguns dados.
Em 1965 o trabalhador gastava 82 horas de trabalho para comprar alimentos, cerca de 36% do salário. Em 1985, 20 anos depois trabalhava 177 horas para comprar os mesmos alimentos — 74% do salário. De 1985 até 1994, a inflação foi o instrumento usado para diminuir a renda dos trabalhadores.
Enquanto deteriorava as condições de vida dos trabalhadores, aumentava o número de favelados e outras moradias precárias, e criava a figura das pessoas em situação de rua. Outros dados:
Em 1973, São Paulo possuía 1% de favelados, ou 71.840 pessoas. Já em 2011, são 2,162 milhões de pessoas — ou seja 11% da população da cidade mais rica do país vivendo em favelas.
Em 1964, não havia favelas em Diadema, grande São Paulo. Em 1990, já somavam 45. Em Santo André, também região metropolitana de São Paulo, existia uma favela em 1964; em 1990, eram 68. Em São Bernardo, cidade vizinha às citadas, tinham duas favelas em 1964; em 1990 o número subiu para 54. Em São Paulo, em 1974, 1,3% viviam em cortiços, em 1990, o índice subiu para 16% dos munícipes morando neste tipo de habitação precária.
Em outros tempos, afirmava-se que a favelização ocorria pelo fato da cidade receber muitos imigrantes, especialmente nordestinos. Culpavam as vítimas pelo seu próprio infortúnio. Felizmente, a luta dos sem-teto e as estatísticas arrebentaram essa maldade. A verdade é que a precarização habitacional corre mais rápido que o número de migrantes que chegam. Entre 1991 e 2000 a cidade teve um crescimento populacional de 8%, enquanto o crescimento das favelas foi de 30%. Na década seguinte, 2001-2010, a cidade teve fluxo migratório negativo, saiu mais gente do que chegou. E a precariedade habitacional continuou crescendo, e o número de pessoas em situação de rua também, aumentando em 57%.
O que pode explicar o fenômeno de crescimento da precarização das condições habitacionais nos grandes centros urbanos, na década de 2001-2010, é o elevado custo dos serviços urbanos e da própria habitação que são incompatíveis com a renda familiar. O custo do metro quadrado nas cidades brasileiras é mais caro que em Nova York. Com transporte, em São Paulo, o trabalhador gasta 20% do salário — em Paris se gasta 5%. Os aluguéis subiram 633% entre 1994 e 2009, enquanto a inflação subiu 207%.
Para alterar esse cenário, é necessário continuar melhorando a renda das famílias, criando emprego de qualidade, com remuneração que garanta as necessidades básicas das pessoas. E mais: empreender políticas públicas e habitacionais sustentáveis que assegurem a reinserção familiar na cidade, na educação e na saúde.
O poço da desigualdade social é profundo, cavado por mais de 500 anos. Mas nada que não se possa consertar. É só trabalhar no rumo certo.